Caso Janaína: Um ano após o crime, estudantes da UFPI ainda relatam medo e abusos dentro do campus

O estupro — e depois assassinato — de Janaína Bezerra, estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Piauí, comoveu não só Teresina e o Piauí, mas todo o país e chegou a ser noticiado na imprensa internacional. O chocante crime abriu mais uma vez o debate sobre o machismo, a cultura do estupro e o feminicídio na sociedade. O episódio, porém, não foi o primeiro e nem o único em que um homem foi “longe demais” dentro dos limites do campus. Foi o que estudantes da instituição contaram ao Diário.

Violência sexual, abusos e tudo. É uma coisa muito comum, infelizmente. E aqui na universidade fica mais fácil, porque aqui há vários ambientes que favorecem esse tipo de situação”, relatou Raiane Reis, estudante de Pedagogia há quatro anos na instituição.

Para Ana Paula, caloura de Direito, uma série de mudanças poderia evitar casos semelhantes no futuro.

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Acho que, primeiramente, precisamos de mudanças relacionadas à segurança da universidade, a questão de mais seguranças mesmo, e a iluminação da universidade”, contou ela.

Uma caloura de História, que não quis ter sua identidade divulgada, ainda falou que, além da conscientização em defesa das mulheres, faltam câmeras no campus.

É importante instalar câmeras de segurança, principalmente nas paradas de ônibus, e alarmes também. E principalmente colocar mais seguranças nos campus. Aqui no Centro de Ciências Humanas e Letras só tem quatro, em 2019 tinha 12, embora a demanda de estudantes tenha aumentado. Como é que pode só quatro seguranças cuidarem de tudo?”, ela disse.

Ao ser questionada sobre outros casos de assédio na universidade, a jovem disse que não é a primeira vez que algo assim ocorre.

Eu já ouvi sobre um caso semelhante também no Centro de Ciências da Natureza, uma pessoa também do curso de Matemática, contou a estudante se referindo ao CCN, núcleo em que Thiago Mayson da Silva Barbosa, assassino de Janaína e agora condenado por homicídio duplamente qualificado, realizava seu mestrado.

Um estudante de Matemática, que preferiu também não ter sua identidade revelada, diz não sentir-se seguro no campus.

Muito ponto cego, muitos poucos seguranças pra muitos alunos. Já teve assalto aqui dentro de sala de aula. Fiquei surpreendido quando aconteceu. E acho que é mais inseguro para mulheres, com certeza. Nós homens, pelo menos, temos a segurança que será só a questão do roubo, do assalto. Já as mulheres têm duas preocupações: o assédio e o roubo”, ele contou ao Diário.

Alunos protestaram

No dia 01 de fevereiro, estudantes da universidade realizaram um ato contra o machismo e a cultura do estupro. Levantando bandeiras e cartazes, os manifestantes denunciaram a reitoria da instituição por descaso em relação à estrutura do campus.

A manifestação ocorreu um dia após a ocupação da reitoria. Na ocasião, os alunos fizeram uma série de reivindicações que iam desde indenizações à família de Janaína, até um aumento do policiamento não armado e à saída do reitor Gildásio Guedes.

A diretora de comunicação do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFPI, Karla Luz, nos contou que apesar de existir uma ouvidoria para casos de assédio, ainda existe muita burocracia, o que dificulta e desincentiva denúncias por parte dos estudantes.

Essa ouvidoria passa por trâmites muito burocráticos e os estudantes não se sentem confortáveis fazendo reclamações, porque os trâmites são muito demorados e acabam não resolvidos. Aí, no final de 2022, apresentamos à ouvidoria uma proposta para uma nova ouvidoria mais rápida, direta e resolutiva, sem tanta burocracia”, relatou.

A diretora de comunicação ainda nos contou que um motivo por trás do receio de alunas em fazer denúncias vêm de ameaças por parte dos agressores, alguns deles até docentes da instituição.

Existe dentro da universidade vários setores de alunos, de técnicos e de professores que assediam diariamente as estudantes da universidade”, ela denunciou.

Ainda segundo Karla, o debate sobre segurança na UFPI não teve início nas últimas semanas.

O debate chamou a atenção depois da morte de Janaína, mas ele existia já desde o começo das aulas presenciais pós-pandemia. Antes da pandemia tínhamos 300 seguranças, hoje são cerca de 180 efetivados. Aí aconteceram muitos casos que foram pra mídia. Um deles, o mais famoso foi um em que um assaltante entrou numa sala e trancou a professora e os estudantes dentro da sala”, contou Karla, fazendo uma referência a um caso, ocorrido em setembro de 2022, onde um assaltante invadiu uma sala do curso de Pedagogia e levou celulares e pertences da vítima.

Sobre o dia 01 de fevereiro, quando ocorreu a ocupação da reitoria por parte dos estudantes, Karla lembra, inconformada, da notável ausência do reitor, Gildásio Guedes.

Quando a gente entra lá, a gente não vê o reitor ou o vice-reitor. O reitor de férias nem ao menos aparece durante uma tragédia, uma tragédia que dilacera os estudantes da universidade. Aí os estudantes vão pra reitoria e o reitor nem sequer aparece!”, disse.

Karla desabafa ainda que tem-se culpado o DCE e as calouradas pela morte de Janaína, e que inclusive integrantes do DCE tem recebido mensagens de ameaça. Mas para ela, o debate sobre segurança dentro da universidade deve ser qualificado e científico. Em suma, muitos problemas persistem. Karla conclui:

Um dos problemas, por exemplo, é que a guarda na universidade é patrimonial. Já ocorreu de estudantes estarem sendo assaltados na parada de ônibus e o segurança não poder fazer nada porque ele é patrimonial e só pode defender o patrimônio público. Então que tipo de debate queremos fazer? É sobre a vida ou é sobre o patrimônio? E o assassino de Janaína tivesse colocado fogo na sala onde eles estava, teria sido mais preocupante para a UFPI do que ter tirado a vida de uma jovem?”, finalizou.

Janaína foi estuprada e assassinada dentro do campus

Janaína da Silva Bezerra, estudante de 22 anos do curso de Jornalismo, foi estuprada e assassinada na madrugada do dia 28 de janeiro durante uma festa de calourada ocorrida no espaço do Diretório Central dos Estudantes (DCE), no campus Petrônio Portella, Teresina, Universidade Federal do Piauí (UFPI).

O suspeito, Thiago Mayson da Silva Barbosa, 28 anos, está preso. Ele é estudante do mestrado em Matemática da instituição e foi encontrado com a jovem desacordada nos braços por seguranças da instituição, que conduziram a vítima e o suspeito ao Hospital da Primavera.

Conforme investigação da polícia, os dois já se conheciam e se encontraram na festa. O jovem, por usar uma das salas do mestrado para estudos, tinha a chave do local, onde levou a vítima.

Ele chegou a relatar à polícia que os dois tiveram sexo consensual, até que a jovem desmaiou em dois momentos. Na segunda vez, ele saiu da sala com a jovem nos braços, segundo ele, para buscar ajuda. Os seguranças informaram, segundo a polícia, que a jovem tinha manchas de sangue nas partes íntimas e já estava sem pulsação.

No hospital, a equipe médica relatou que ela já chegou sem vida. O laudo do IML constatou que ela sofreu estupro e morreu em decorrência de ter tido o pescoço quebrado, o que pode ter acontecido por torção ou tentativa de asfixia.

Segundo a delegada Nathalia Figueiredo, Thyago chegou a fazer imagens da vítima enquanto ela sangrava. Thyago foi indiciado por homicídio duplamente qualificado. O indiciamento também inclui os crimes de estupro, vilipêndio de cadáver (violência após a morte, pois Janaína teria sido violentada mesmo depois do ôbito) e fraude processual, já que o suspeito tentou ocultar provas do crime.

No dia 14 de fevereiro, o Ministério Público do Piauí denunciou Thyago e pediu pena de 50 anos pelo assassinato de Janaína. O caso corre em segredo de justiça.

Rafael Esteves

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