A mais recente fase do conflito no Leste Europeu vem se arrastando há mais de um ano e já deixou dezenas de milhares de vítimas. O confronto entre R e U deu origem a maior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial e levou à condenação internacional dos crimes de guerra cometidos por V P. No entanto, não demorou para que a crise ultrapassasse as fronteiras da guerra e fincasse sua bandeira no resto do mundo. No Brasil não foi diferente e ainda hoje vemos o peso da guerra no bolso.
Um dos milhões de brasileiros que sente na pele os impactos da crise, Ricardo Pereira Alves é estudante de Biologia na Universidade Federal do Piauí e nos contou como a crise implica em uma série de dificuldades que afeta toda sua família.
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“Meu pai trabalha como vendedor autônomo então ele tem que estar o tempo todo se deslocando de carro. Como autônomo ele ganha por aquilo que ele consegue vender. E às vezes o dinheiro que ele ganha é só pra colocar o combustível porque já é um custo muito grande. Além disso, aqui em casa somos cinco, então temos uma despesa enorme com óleo, carne e arroz”, relatou Ricardo.
Universitário, Ricardo precisa se deslocar diariamente para chegar à universidade. Como mora na zona sul de Teresina, ele precisa pegar dois ônibus até seu destino. Segundo Ricardo, a crise acaba afetando o transporte de todos também.
“Acho que pode ter um impacto na questão dos ônibus. É um gasto enorme. Os cobradores e motoristas que arcam com um trabalho totalmente insalubre e um salário precário não veem opção a não ser entrar em greve. Então isso impacta de diversas maneiras nosso cotidiano, e nós só temos a penar com isso“, completou.
Para entender melhor tudo isso, o Diário conversou com Eduardo Souza de Paula, economista pela PUC. Segundo ele, um dos principais fatores por trás da crise que enfrentamos é a energia. O aumento nesse setor leva a todo um efeito em cadeia que é sentido com força no Brasil por conta da nossa dependência do petróleo.
“Uma das maiores dependências dos países é energia. Hoje nada acontece sem energia. A Europa era grande demandante do gás natural russo, que foi cortado. Um dos principais impactos nesse cenário ocorre quando há um aumento da demanda por petróleo, já que a energia proveniente do gás já não é mais opção” contou.
Ainda segundo o economista, além das implicações causadas pelo preço do petróleo, outros fatores se agregaram à crise, como a dependência do Brasil em exportar commodities e a desvalorização do salário do trabalhador que sofrem com pouco reajuste.
“Também tem a lógica de vantagens comparativas […] Essa é a lógica que usamos no mundo inteiro. É aquele exemplo histórico de vinho e tecido entre Portugal e Inglaterra. Eles combinaram de fazer comércio desses dois produtos entre eles, mas Portugal consumia muito mais tecido do que a Inglaterra consumia vinho. Assim Portugal assistia a uma fuga de dinheiro do seu país pra Inglaterra. Hoje em dia não é tão diferente. O Brasil produz alimentos, produtos de baixo valor agregado e commodities no geral, mas consome toda parte tecnológica e produtos de alto valor agregado”, completou.
Como consequência da crise econômica e do baixo consumo, empresas acabam desistindo do Brasil, ferindo ainda mais nossa cadeia, como explica o economista.
“A queda no consumo também faz indústrias estrangeiras fecharem as portas, como por exemplos as grandes montadoras. Existe uma grande concentração de indústrias na zona industrial do Amapá, essa região foi e ainda vai ser bem afetada pela crise”, explicou.
Souza de Paula comenta também sobre a realidade dos grandes capitalistas brasileiros que vivem de renda em cenários de crise (e mesmo sem crise). Esse movimento leva a toda uma concentração de renda em certas partes do Brasil, agravando a desigualdade regional.
A corrida ao capital financeiro acaba concentrando o dinheiro em lugares como São Paulo e Rio de Janeiro e até fugindo do país […] Sem investimento o sistema capitalista colapsa e as regiões mais afetadas são aquelas que já sofrem mais”, disse.
Sobre a relação entre política externa e economia, Souza de Paula explica que a posição do Brasil no tocante à guerra na Europa, tanto no governo Bolsonaro quanta na nova era Lula, tem sido, como de tradição, de diálogo e mediação, “uma espécie de ficar em cima do muro”, como explica o economista. Contudo, ainda existem notáveis distinções entre os dois governos.
Muitos brasileiros ainda esperam medidas mais radicais do novo governo contra a crise, tanto no sentido econômico quanto diplomático. Ricardo, o estudante com quem conversamos no início da matéria, diz que esperava mais de Lula como mediador dos dois lados.
“Não existe diálogo entre os países. O Brasil é sempre ‘paz e amor’ e conciliador mas tá me decepcionando. Eu tinha expectativas de que o Lula poderia fazer alguma coisa com aquela conversa que ele teve com o Zelesnky para que houvesse um cessar-fogo. Mas não teve”, o universitário desabafa.
A guerra na Europa já dura mais de um ano. Não há expectativa de cessar-fogo por nenhuma das partes. O Diário continuará cobrindo os eventos mais importantes do conflito e suas repercussões no Brasil.
